sábado, julho 21, 2007

Pela Janela


A calmaria daquele rosto na janela, não revelava nenhum tipo de paz. Era o único rosto naquele dia, o único naquela hora, assistindo a todos que voltavam apressados para casa, tentando fugir da chuva. Mas era justamente por trás daquele rosto inerte na janela, por onde parecia se mover um verdadeiro temporal.
Foi em um dia chuvoso como esse que se conheceram. Namoraram, curtiram a vida da melhor forma possível e casaram-se dois anos depois. Nadia amava Marcos de forma incondicional e Marcos retribuía à altura.
Ela recordava tudo naquele breve instante em que olhava pela janela e já não era dona dos seus próprios sentidos. Ela guardava aquele segredo há anos e não poderia mais conviver com aquela tortura. Seus músculos enrijeciam-se à simples idéia de como ele reagiria. Envolta nesta atmosfera chuvosa, como uma criança que se esconde sob o cobertor da própria cama, ela decidiu que até o fim da chuva deveria concluir o que fazer.
Não pensou muito, pois tal ato a impediria de cumprir com sua obrigação de não mais lhe omitir a verdade. É fato que já haviam passado-se anos após o ocorrido, mas Nadia estava decidida a dividir o fardo que carregava sozinha. Não poderia imaginar a reação de Marcos depois de tanto tempo e nem gostaria de assim fazer.
Foi até a mesinha de cabeceira de seu quarto com pouca luz e que cheirava a cigarro e da segunda gaveta tirou um caderno muito velho onde anotava os números de telefones. Procurou pela letra M e logo na primeira linha da folha encontrou o numero de Marcos. Lembrava-se exatamente do dia em que anotara aquele numero ali.
Respirou fundo, riscou um fósforo e sem pestanejar telefonou:
- Marcos?
- Sim, quem fala?
- É Nádia.
Embora tentasse esconder o nervosismo, Marcos não conseguiu conter a respiração ofegante.
- Olá Nádia, quanto tempo.
- Tempo mesmo. Estou precisando conversar com você. E precisa ser hoje, espero que tenha tempo.
- Hoje? – pestanejou um pouco, mas concluiu – Daqui à uma hora pode ser?
- Ótimo! Onde é melhor pra você?
- Pode ser na sua casa?
- Perfeito!
- Mas não vou poder demorar muito!
- Pretendo não demorar mais que 10 minutos para falar-lhe.
- Me espere então!
- Ok.
- Até mais.
- Até.
Colocou o telefone no gancho e tentou conter as lagrimas de desespero que escorriam-lhe à face. A esta altura o cigarro em que acendera já queimava sozinho no cinzeiro. As horas se arrastavam e sua angustia aumentava. O tic-tac dos ponteiros eram como marteladas em sua cabeça confusa. Por onde começaria? Com se explicaria, se é que havia uma explicação para aquilo tudo?!
Próximo a hora marcada, ela deu uma olhada rápida no espelho por uma ponta de vaidade que existia ao saber que iria encontra-lo. Enfim a campainha tocou. O corpo de Nádia estremeceu inteiro e ela não conteve o desespero. Titubeou e por um momento pensou em desistir da idéia. Mas não. Agora que havia começado, teria que ir até o fim.
Aproximou-se da porta e colocou as mãos sobre ela como se tentasse sentir as vibrações que vinham do outro lado. Com uma das mãos na maçaneta virou lentamente e a abriu da mesma forma. Do outro lado da porta havia um homem que há muito Nadia não via. Marcos estava mais velho e com feições de preocupação com o chamado inesperado.
Marcos entrou e Nadia o deixou a vontade oferecendo seu velho sofá azul para que ele sentasse. Ofereceu-lhe uma bebida mas ele recusou dizendo ter pressa.
Nadia começou então a falar-lhe com um pesar imenso na voz, quase choramingando. Ele engolia cada palavra que saia daquela boca prestando muita atenção no discurso de Nadia.
Era o que Marcos temia, ela enfim tocara no assunto da separação. De fato ele não queria de forma alguma reviver os últimos momentos que estiveram juntos, mesmo porque, tudo aquilo era muito doloroso para ambos. Nadia mal entrou no assunto e Marcos inquieto consultou o relógio, como querendo fugir da própria realidade. Não dera tempo de Nádia se explicar e num súbito se levantou dizendo não querer saber daquela história. Em meio a insultos por parte dele e um choro compulsivo por parte dela Marcos saiu sem olhar pra trás dizendo que o que ela tinha feito com ele há 14 anos não tinha perdão.
Nádia até tentou ir atrás dele, mas suas pernas a traíra. Em fração de segundos revivera o ultimo dia que o vira e a noticia que ela jamais deveria ter dado gritava em sua cabeça.
Ela sabia muito bem do sonho de Marcos em ser pai, revivia cada instante daquela ultima vez. Talvez por ingenuidade e pouca idade, caíra na besteira de, na época, contar a Marcos que havia abortado uma criança, mas não era exatamente isso que a castigava tanto durante tantos anos.
Num súbito, Nadia correu até a janela e gritou para Marcos que se aproximava do seu carro para ir embora daquele lugar.
- Fiz o que fiz por amor. O filho não era seu.Talvez até tenha piorado as coisas dizendo isso. Mas o que sentia agora era seu resto de vida se esvair junto com a chuva que caia pela janela.


8 Comments:

Anônimo said...

Como sempre...textops chocantes que nos prendem do inicio ao final...
Beijos querida escritora e quando publicar o livro, que eu acredito escrevendo assim, não irá demorar muito, eu quero um autografado viu...
tenha uma linda semana...

Anônimo said...

Não sei porque só leio um texto até o fim se me identificar de alguma forma...Esse me prendeu por ser inesperado...Talvez porque conviva também com inquietações várias dentro de mim...talvez porque me identifique com a coragem de dizer...sempre digo tudo...não sei...O texto envloveu-me, como a chuva envolveu os pensamentos de Nádia....Parabéns...

Ná Jornalista web said...

Ufa!cada clímax nesses textos hein?!que delícia ler assim...ficar imaginando o que pode acontecer a cada ponto final, a cada vírgula!
É...a Nádia pensou muito,eu acho!Ou não...
Vai entender sua cabeça né?!
Beijo Ná

david santos said...

POR MUITO QUE CUSTE A MUITA “BOA” GENTE, NÃO VAMOS DEIXÁ-LO ESQUECER.

Esta semana venho incomodar todos os blogues brasileiros. E por quê? Porque não quero que esta data fique esquecida. Mas que data? Pois é, é mesmo isso! Este ano, de 2007 faz 160 “cento e sessenta anos”, que nasceu um grande vulto da poesia brasileira. Quem foi?
Faz também este ano, 2007, 136 “cento e trinta e seis anos” a data do seu falecimento.
Quem foi? As respostas só se aceitam em iniciais. Nada de nome completo.

Eu não devia ajudar nada, mas vou-vos dar um cheirinho: “Espumas Flutuantes”, Salvador da Bahia, 1870.

Quem souber, pode deixar a resposta no meu último poste.
Quem não souber, tenha a dignidade de perguntar no mesmo local. Pois aprender não enche barriga nem mata miolo.

Gustavo said...

Ahhh amor.
que bosta é essa ?

Jussara Soares said...

Estou gostando dos seus contos, Natty. Muito bem amarrados.
Vou lendo tudo.

Anônimo said...

Olá, to de volta ..faz tempo que não blogava, e nem visitava os blogs dos amigos...desculpe mas minha vida deu uma volta, (não muito boa mas faz parte de nossas escolhas, bjus - amanhã estarei folgando e vou voltar com mais tempo pra ler com calma, gostei daqui.......

Katia De Carli said...

Olá Natalia
Sou amiga "ainda por conhecer" da Jussara Soares, jornalista também, raça danada essa... e hoje decidi que escolheria um blog para ler.
Escolhi o seu pelo título.
Não deu outra. Minha intuição não falha. Fantásticos os seus contos.
Adorei o modo como prende os leitores até a última frase. Parabéns.
Gostaria de colocar um link no meu blog, permite-ne?
Abraços

 
Layout By Natalia Gregolin